Uma medida tomada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) na última quinta-feira (13) poderá beneficiar indiretamente uma das iguarias mais celebradas do Brasil. A redução temporária de 12% para 10% na mistura de biodiesel no diesel poderá contribuir para aliviar a escassez de azeite que ameaça o futuro das vendedoras de acarajé.
Tombado como patrimônio cultural de natureza imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o ofício das baianas de acarajé enfrenta, nos últimos anos, o declínio da produção de azeite de dendê, um dos principais ingredientes para a produção do petisco. Normalmente, as baianas usam o óleo de palma produzido no Pará para substituir o azeite amarelo-avermelhado, mas a produção paraense está sendo cada vez mais destinada à exportação e para a produção de biodiesel.
Na insuficiência de óleo de palma, as vendedoras de acarajé têm recorrido aos estoques de azeite de dendê. A pandemia do novo coronavírus aliviou a situação por alguns meses, mas a reabertura da economia pôs a escassez novamente em evidência. Com os estoques de azeite de dendê praticamente zerados, o preço do vasilhame de 16 litros dobrou, passando de R$ 65 para uma faixa entre R$ 125 e R$ 130 de abril para agosto.
Combustível
Em relação à produção de combustível, a retomada da atividade econômica também agravou o problema. Ao anunciar a redução da mistura do biodiesel no diesel, a ANP tinha informado que a medida foi necessária para dar continuidade ao abastecimento nacional, porque a demanda por diesel B continuou alta no início da pandemia e deverá aumentar com a reabertura dos negócios. Em nota, a BR Distribuidora, considerou a decisão acertada, mas cobrou medidas mais urgentes, ainda para agosto, para manter o equilíbrio no fornecimento.
As vendedoras de acarajé representam o elo mais frágil de uma batalha de mercado. Consumidoras finais de azeite de dendê e de óleo de palma, elas não podem repassar o encarecimento das matérias-primas para os preços por causa do desaquecimento da economia. No auge da pandemia, a maioria parou de trabalhar e só agora está reabrindo os negócios, com preocupação.
“A nossa situação está desesperadora. Agora que as baianas estão retornando, não conseguem comprar o azeite. E, quando conseguem, não podem repassar essa alta [do preço da matéria-prima] para os clientes“, diz Rita Santos, presidente da Associação Nacional das Baianas de Acarajé, Beiju, Mingau e Similares (Abam). A entidade lançou uma campanha de doação para aliviar a situação das vendedoras mais afetadas.
Falta de investimentos
Por trás da escassez de dendê, está a queda na produtividade dos extrativistas. Tradicionalmente, o azeite de dendê vem de oito municípios da costa sul da Bahia, em esquema de produção familiar, com pequenos produtores que não recebem assistência tecnológica de órgãos como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Desde 2017, a produção caiu 37,8%, segundo o Sindicato dos Produtores Rurais de Nazaré (BA). Somente no primeiro semestre deste ano, a produção foi 7,8% inferior ao do mesmo período do ano passado.
Segundo Rita Santos, a redução da mistura de biodiesel alivia temporariamente a situação das vendedoras de acarajé. Para ela, o problema das vendedoras de acarajé só será resolvido com investimento maciço do governo nos pequenos produtores.
“A medida da ANP é uma ajuda importante, mas pequena porque a gente enfrenta a concorrência com a Petrobras, que compra tudo, e porque o verdadeiro problema está nos produtores de dendê da Bahia. Eles usam equipamentos muito defasados, principalmente para armazenar o óleo. Os tonéis, que hoje estão enferrujados, deveriam ser em aço inoxidável. Eles também precisam investir em plantio de novos pés”, explica Rita.
Agência Brasil
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