Um dia. Foi o tempo que Victor Ariel Melo dos Santos e Marcos Cézar Ribeiro de Jesus Junior ficaram presos depois de assaltar um ônibus no dia 13 de abril deste ano. Eles ganharam liberdade provisória concedida pela Justiça no dia 14 de abril, após passarem por uma audiência de custódia .
“A ficha de antecedentes criminais juntada não contém indicativo da propensão dos flagranteados à prática reiterada de delitos”, diz trecho da decisão, de 14 de abril, de autoria do juiz Antônio Faiçal. Mas, no dia seguinte, eles voltaram à ativa. E em um crime mais grave: latrocínio em outro assalto a ônibus.
Victor e Marcos participaram do roubo que terminou com a morte do porteiro Libânio Trindade dos Santos, 64 anos – ele se recusou a entregar a mochila no assalto ao ônibus da linha Pirajá-Pituba, na Avenida San Martin, no dia 15 de abril.
“Nada sugere que a restrição do status libertatis redundará em risco para a ordem pública ou para o livre exercício de atividades econômicas”, diz outro trecho da decisão, que obrigava os dois rapazes, que tinham trabalho e endereço fixo, a se apresentarem à justiça a cada dois meses.
Repetição
Não foi o que aconteceu. E casos assim se repetem. Dados do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) apontam que 1.337 presos em flagrante foram libertados em 1.667 audiências de custódia em Salvador entre setembro de 2015 e fevereiro de 2016. Desses, 974 saíram sob medidas cautelares, como Victor e Marcos.
Em cada audiência de custódia, é possível que mais de um preso seja apresentado ao juiz. Assim, com base nos dados do TJ-BA, 68% das audiências feitas entre setembro e fevereiro deste ano terminaram com alguém solto.
Agilidade
As audiências, adotadas em setembro pelo TJ-BA, garantem que um preso em flagrante esteja diante de um juiz em até 24 horas. É quando um magistrado analisa sua ficha diante do Ministério Público e de um defensor e decide se o acusado continua preso ou aguarda o julgamento em liberdade.
Se, por um lado, a justiça vai perdendo a fama de lenta, por outro, aumentam os questionamentos sobre as possíveis falhas de julgamento. De 1º de setembro de 2015 para cá, a Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP) apontou outros três casos semelhante ao da dupla reincidente em Salvador.
Gilmário Alves do Nascimento, o Novato, 22, que confessou ter matado a estudante de Medicina Mariana Oliveira Teles, 22, em agosto do ano passado, também é exemplo. Ele tinha sido solto menos de 20 dias antes de atirar na universitária que reagiu ao roubo de carro no Costa Azul.
[caption id="attachment_39590" align="aligncenter" width="620"] Gilmário Alves do Nascimento, o Novato, foi preso e solto em menos de 20 dias. Ele matou estudante em assalto no Costa Azul (Foto: arquivo Correio)[/caption]
Críticas
Para o secretário da Segurança Pública, Maurício Barbosa, o tempo entre a prisão e a audiência é curto e dificulta o trabalho da polícia. “Temos que começar a avaliar os resultados dessa celeridade imediata, porque antes as polícias tinham um tempo maior para fazer uma análise da vida pregressa do preso. Em 24 horas, a gente mal consegue os dados do próprio flagrante”, argumenta Barbosa.
O subcoordenador da Especializada Criminal e Execução Penal da Defensoria Pública da Bahia, Maurício Saporito, concorda. “Cabe à segurança pública levar informações comprovadas da ligação dessas pessoas com crimes organizados. O que ocorre, na maioria das vezes, é que no auto de prisão em flagrante não há comprovação ou mesmo indício dessa ligação. Por isso, o juiz não pode manter esse indiciado preso”, aponta Saporito.
Barbosa diz não questionar o trabalho da Justiça e acrescenta que não discorda dos “objetivos filosóficos” das audiências de custódia. Mas defende um tempo maior para a apresentação do preso ao juiz. “O suficiente para que a gente possa coletar e trazer mais informações, até participações dele em crimes em outros estados”.
Pena Leve
Para Faiçal, o ponto crucial da polêmica está na pena para porte ilegal de arma. “A lei que apena o porte (ilegal) de arma é muito branda, embora eu considere um crime grave. E pra quem não tem antecedentes e não tem ficha na polícia, o ponto natural é ser solto mesmo”, aponta o juiz. Segundo ele, os casos que envolvem crimes mais graves raramente terminam com o preso liberado nas audiências.
Esse é mais um dos pontos em que o chefe da SSP discorda da Justiça. Apesar de anuir que os crimes contra o patrimônio são os que mais terminam em soltura nas audiências de custódia, ele afirma que integrantes de quadrilha de saidinhas bancárias, por exemplo, foram libertados e que, também, é muito comum a soltura de assaltantes de ônibus - o que Faiçal nega.
O defensor público Maurício Saporito diz que crimes graves, como latrocínios, não resultam em liberação nas audiências de custódia. Em seis meses, dos seis casos de latrocínio atendidos pela Defensoria, apenas um terminou em libertação, e não foi numa audiência de custódia.
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