Mesmo as que incluem material genético viral foram projetadas para minimizar as possibilidades de interação desse material com o genoma das pessoas.
"Mas, antes de mais nada, é preciso desmistificar o que pode significar isso. A questão é que a gente está sujeito a uma chuva de DNA externo o tempo inteiro, e o organismo lida com esse material genético exógeno sempre", diz o virologista Flávio da Fonseca, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e do centro de pesquisas CT-Vacinas.
Bactérias e certos tipos de invasores virais, como os retrovírus, por vezes transferem sua informação genética para o DNA de seus hospedeiros, com efeitos que podem ser negativos, neutros ou mesmo positivos.
Com o passar de milhões de anos, esses trechos de DNA podem até virar "fósseis" incrustados no genoma humano. Estima-se que algo entre 1% e 5% do material genético da espécie humana seja formado pelos chamados retrovírus endógenos, ou seja, informação hereditária viral que passou por esse processo de incorporação a partir de antigos retrovírus.
A maioria deles não parece ter efeito nenhum no organismo, mas acredita-se que retrovírus endógenos ajudaram na evolução da placenta, a bolsa protetora dos fetos que se forma durante a gestação na maioria dos mamíferos. Nesse caso, a informação genética deles foi "reciclada" e reutilizada pelos ancestrais dos mamíferos atuais.
Todos os vírus que causam doenças hoje dependem da capacidade de induzir as células que invadem a usar os genes virais (os quais podem ser formados por DNA ou por uma molécula aparentada a ele, o RNA) a produzir novas cópias dos próprios vírus. As células humanas infectadas funcionam, grosso modo, como uma fábrica dominada por robôs que passa a produzir mais robôs.
Entretanto a maior parte desses invasores virais (à exceção dos retrovírus, que incluem parasitas como o HIV, causador da Aids) não precisa modificar o genoma das células humanas para conseguir isso.
Portanto as vacinas baseadas no próprio coronavírus inativado (inócuo), como a que está sendo testada por uma empresa chinesa em parceria com o Instituto Butantan (SP), não trazem esse risco --os coronavírus não agem como os retrovírus.
Mais ou menos a mesma coisa vale para vacinas que estão usando vetores virais --ou seja, vírus geneticamente modificados para carregar um pequeno trecho do material genético do coronavírus, feito de RNA. É o caso da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford, que também está sendo testada no Brasil, e a vacina russa, Sputnik V.
"Esses vírus em geral são desenhados para serem não replicativos, ou seja, não fecham o ciclo de produção de novas cópias virais", explica Fonseca.
Por fim, outra abordagem, testada por institutos de pesquisa e empresas nos EUA, envolve o uso do RNA do vírus. Esse tipo de abordagem, embora ainda não tenha chegado a produzir vacinas comerciais, teoricamente seria ainda mais seguro, porque as moléculas de RNA, que são usadas pela célula como "receita" para a produção de proteínas, são facilmente "desmontadas" pelo organismo e não fazem parte do genoma localizado no núcleo da célula.
Para que a presença delas levasse a alterações no genoma, seria preciso um maquinário molecular especializado que fizesse uma versão do RNA em formato de DNA e o inserisse dentro do material genético humano --de novo, algo que simplesmente não ocorre espontaneamente.
"As vacinas nunca são projetadas para isso. Seu papel é induzir imunidade, que é um objetivo completamente diferente", diz o pesquisador da UFMG.
Folhapress
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