A desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), Lígia Maria Ramos Cunha, seus filhos Arthur e Rui Barata, e mais três advogados foram denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF), na noite desse sábado (2), por organização criminosa. A denúncia ocorreu no âmbito da Operação Faroeste, que apura venda de decisões judiciais no TJ-BA.
Segundo o MPF, a denúncia é a sexta apresentada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) desde a deflagração da operação, em 2019, e ocorre quatro dias após outra desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia, Ilona Reis, também ser denunciada.
Na denúncia, o MPF requer que os seis denunciados sejam condenados por organização criminosa e que, em caso de condenação, seja decretada a perda da função pública, no caso dos que têm essa condição. Também foi pedido que os envolvidos paguem, de forma solidária, indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 950 mil.
Em nota, a defesa da desembargadora afirmou que "o Ministério Publicou apressa-se em oferecer denúncia durante o recesso, sem que haja qualquer risco de prescrição. O açodamento em formular uma frágil acusação evidência o propósito de manter, a todo custo, uma prisão preventiva que não se sustenta. Inclusive menciona processos que sequer dizem respeito ao oeste da Bahia". Na nota, o advogado João Daniel Jacobina ainda afirma que tem convicção de que a denúncia será liminarmente rejeitada pelo STJ.
Ainda de acordo com o MPF, na petição enviada ao relator do caso no STJ, ministro Og Fernandes, os envolvidos são acusados de receber R$ 950 mil em vantagens indevidas em um esquema que incluiu decisões da desembargadora Lígia Cunha em quatro processos. Em três deles, a magistrada, que está presa preventivamente desde o dia 14 de dezembro, era a relatora.
Na denúncia, a subprocuradora-geral da República, Lindôra Maria Araújo, detalha a participação de cada um dos integrantes do esquema com base em provas obtidas durante as investigações preliminares. Parte dessas provas teve como ponto de partida informações e documentos entregues por Júlio César Cavalcanti Ferreira, advogado que também é investigado pela Operação Faroeste, e que firmou acordo de colaboração premiada com o MPF.
O MPF destacou que Júlio Cesar contou aos investigadores como funcionava o esquema que, conforme relatou, teve início em agosto de 2015, com a promoção de Lígia Ramos para o cargo de desembargadora. A atuação do grupo persistiu até dezembro de 2020, mesmo com as sucessivas fases da Operação Faroeste. A denúncia menciona provas de que a magistrada atuou para obstruir as investigações, determinando, por exemplo, que uma assessora destruísse provas dos crimes. Além da desembargadora, dos filhos e de Júlio César, foram denunciados os advogados Diego Freitas Ribeiro e Sérgio Celso Nunes Santos.
De acordo com a petição, quando atuava como assessor no TJ, Júlio César foi procurado por Diego para que fizesse a prospecção de casos que poderiam ser negociados pelo grupo. Pelo trabalho, o então servidor recebia, em 2016, entre R$ 5 mil e R$10 mil. “Posteriormente, percebendo a lucratividade da missão, sua extensa rede de contatos no segundo grau de jurisdição e anseio de ficar rico, como seus comparsas, Júlio César coloca, no ano de 2018, sua própria banca de advocacia, ganhando, a partir de então, percentual sobre o valor da propina pactuada”, destaca um dos trechos do documento.
Dados da Unidade de Inteligência Financeira (UIF), vinculado ao banco Central, apontam movimentação de R$ 24.526.558 por Júlio César, no período investigado. Em apenas um dos episódios relatados pelo colaborador, teria sido acertado o pagamento de R$ 400 mil em propina. O MPF afirmou que, nesse caso, Júlio César ficou com R$ 100 mil e os outros R$ 300 mil foram repassados aos filhos da desembargadora que, em contrapartida deveria “acompanhar o referido julgamento e traficar influência junto aos respectivos julgadores”, garantindo o provimento de um recurso de interesse dos integrantes do grupo.
A denúncia menciona ainda intensa troca de ligações telefônicas entre os envolvidos, sobretudo em datas próximas ou posteriores às decisões tomadas pela desembargadora, bem como relacionadas aos dias em que foram feitas transferências financeiras ou repasse de dinheiro em espécie. Segundo o MPF, apenas do telefone de Rui Barata (filho da desembargadora) foram identificadas 106 ligações pra os demais investigados no período entre outubro e dezembro de 2018. Para o MPF, essas constatações deixam claro a estabilidade da atuação criminosa.
Operação Faroeste
A primeira fase da operação ocorreu em novembro de 2019, com a prisão de quatro advogados, o cumprimento de 40 mandados de busca e apreensão e o afastamento dos seis magistrados. Outra desembargadora do TJ-BA, Maria do Socorro Barreto Santiago, foi presa no mesmo mês e segue detida.
A investigação aponta a existência de um suposto esquema de venda de decisões judiciais por juízes e desembargadores da Bahia, com a participação de membros de outros poderes, que operavam a blindagem institucional da fraude.
O esquema, segundo a denúncia, consistia na legalização de terras griladas no oeste do estado. A organização criminosa investigada contava ainda com laranjas e empresas para dissimular os benefícios obtidos ilicitamente.
Há suspeitas de que a área objeto de grilagem supere os 360 mil hectares e de que o grupo envolvido na dinâmica ilícita tenha movimentado cifras bilionárias.
A cantora Amanda Santiago, filha da desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago, ex-presidente do TJ-BA, também foi um dos alvos de mandados de busca e apreensão da etapa mais recente da operação Faroeste, ocorrida em dezembro de 2020.
G1
Bahia