“Vou acabar com sua vida”. É essa a frase que a médica Sáttia Lorena Aleixo, 27 anos, disse ter escutado do então namorado, o médico Rodolfo Cordeiro Lucas, na noite que antecedeu sua queda do 5º andar do prédio em que moravam, no bairro de Armação, em Salvador. A declaração foi dada por ela em depoimento prestado à polícia na última quarta-feira (28), que foi obtido pela TV Bahia e cedido ao CORREIO.
Esta é a segunda vez que a médica é ouvida pela polícia. O documento aponta que Sáttia disse se lembrar ter sido segurada pelo pescoço por Rodolfo, que ameaçava cortar o seu rosto e dizia que acabaria com a vida dela.
A médica não lembra se o ex-namorado tinha algo nas mãos na ocasião. Neste momento, Rodolfo estava em cima da vítima no quarto do casal e chegou a dizer, eu avisei em referência a ameaças anteriores. A vítima contou que pediu socorro e disse insistentemente “por favor não”.
No depoimento, a médica afirmou que estava com muito medo que Rodolfo a matasse. De acordo com ela, ele dizia "vou acabar com sua vida" e "eu avisei que iria acabar com sua vida". Durante a semana, ele teria dito que acabaria com a vida dela se ela terminasse a relação, mas, na ocasião, Sáttia achou que a fala fosse brincadeira.
Segundo a delegada Bianca Torres, titular da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam/Brotas), Sáttia foi ouvida no dia do acidente, mas havia sofrido perda de memória recente.
Médica nega tentativa de suicídio
Diferente do que alegou Rodolfo no interrogatório, a médica disse não ter cometido tentativa de suicídio e lembrar do então namorado soltando a mão dela após ela pedir para não morrer. Sáttia comentou ainda que em nenhum momento pensou em se jogar da janela, mas caso tivesse esse desejo, ela o teria realizado em seu apartamento na Graça ou até mesmo no apartamento da Armação, quando estivesse sozinha.
Sáttia disse só ter feito um comentário sobre suicídio, durante um plantão, em que o ex-namorado a assediou muito moralmente, o que a fez chorar. Apesar disso, ela ressaltou que o pensamento não correspondia com o seu modo de pensar. No plantão, o médico teria dito que o pensamento suicida era normal, pois ele mesmo tinha tido pensamentos parecidos devido à problemas relacionados à profissão.
Ainda de acordo com ela, durante o relacionamento, Rodolfo sempre dizia que ela não era capaz e que precisava dele.
Ao ser questionada se lembrava de estar pendurada no prédio, Sáttia afirmou recordar estar na janela gritando "socorro, socorro, eu não quero morrer". Ela disse que Rodolfo não segurou seus pulsos enquanto ela estava pendurada, mas recorda que uma mão forçava sua mão para que ela se desprendesse da borda da janela. A médica disse ainda ter mordido o ex-parceiro no braço para se defender.
No depoimento, a médica contou que o casal tinha terminado, mas ela voltou para a casa de Rodolfo na sexta-feira, em 17 de julho, dias antes de cair do prédio na madrugada de 20 de julho, uma segunda-feira. De acordo com o depoimento da vítima, os términos eram recorrentes e o casal sempre reatava o relacionamento.
No sábado, a médica foi para a casa depois de um plantão e o ex-namorado falou pra ela tomar um remédio antidepressivo para se sentir melhor pois estava com os olhos fundos. Ela contou ter tomado um comprimido branco. No texto ainda é possível ler que Sáttia informa que Rodolfo era acostumado a usar psicoestimulantes e antidepressivos.
O ex-namorado até teria insistindo e comprado um antidepressivo para Sáttia, que se negou a tomar o medicamento. Ainda de acordo com ela, Rodolfo sugeriu que ela tomasse um Rivotril.
Como uma garrafa de bebida foi encontrada no interior do apartamento, a vítima foi perguntada se lembra de ter ingerido bebida alcoólica. Ela respondeu que não bebeu e que apenas Rodolfo ingere bebida alcoólica. A médica afirmou não gostar de beber e do efeito que o álcool deixa na pessoa.
Relacionamento abusivo
A vítima ainda relatou ter vivido um relacionamento abusivo, durante o qual o médico a perseguia, proibia o uso de certas roupas e maquiagem. O ex-namorado chegava a correr atrás dela em hospitais. Essas atitudes a deixavam desestabilizada. Rodolfo teria, inclusive, pedido para que ela não aceitasse um emprego em um hospital.
“Que quando a declarante começou a namorar com Rodolfo, ele exigiu que ela colocasse a foto dele no perfil da declarante e que nesse mesmo dia uma amiga da declarante quando viu a foto de Rodolfo tomou um susto e lhe falou que Rodolfo era casado”, lê-se no documento obtido pela TV Bahia.
A médica contou ainda ter sido vítima de violência física e psicológica por parte do ex-parceiro várias outras vezes. De acordo com ela, Rodolfo já a derrubou no chão, esfregou um pano no seu rosto durante um plantão tirando sua maquiagem e a agrediu com puxões de cabelo e socos.
A defesa da vítima trabalha com um cenário de uma relação abusiva, aponta o advogado criminalista e representante da família de Sáttia, Maurício Vasconcelos. “Existia uma relação opressora de opressão por parte dele”, disse o defensor.
A defesa da vítima optou por não comentar a autoria de alguma tentativa de homicídio. “Apenas o Ministério Público vai dizer se existe esse indicativo. Ao fim de todas as investigações, quando o Ministério Público se manifestar formalmente nos autos, eu darei declarações conclusivas sobre o episódio”, disse. O advogado ressalta acreditar plenamente no trabalho da Polícia Civil e do Ministério Público.
Por fim, Sáttia disse que Rodolfo sempre falava que quem tem dinheiro no Brasil sai impune e que não sofre as consequências dos seus atos. Ela pediu que a justiça seja feita.
Reprodução simulada
Uma reprodução simulada aconteceu na quarta-feira (28) como parte da investigação do caso da médica. Equipes da Polícia Civil e do Departamento de Polícia Técnica (DPT) participaram da simulação, que ajudou a analisar posicionamentos da vítima, dos objetos na cena e de testemunhas nos imóveis próximos.
A delegada Bianca Torres Andrade acompanhou o trabalho dos técnicos. “Com esta simulação, poderemos chegar a um melhor entendimento do que ocorreu no dia 20 de julho e também atender a solicitação do Ministério Público da Bahia (MP-BA)”, explicou. “Já realizamos outras oitivas que também irão complementar esta nova fase das investigações”, afirmou.
Estavam na reprodução simulada uma equipe de Perícia em Local de Crime do (DPT), com três peritos criminais e um técnico, além da delegada, Maraci Menezes Lima e dois investigadores. O promotor de Justiça Antônio Luciano Silva Assis acompanhou o trabalho. O resultado será emitido pelo DPT e irá compor as diligências solicitadas pelo (MP-BA), em setembro.
Bilhetes, briga e sangue
Em setembro, o Ministério Público da Bahia devolveu à delegacia o inquérito policial que indiciou o médico. De acordo com o ministério, o promotor de Justiça Luciano Assis remeteu de volta o inquérito á unidade que investiga o caso para que sejam realizadas novas diligências, como escuta de novas testemunhas e realização de reconstituição do fato. O órgão também solicitou que a vítima seja ouvida novamente.
Rodolfo foi indicado por tentativa de feminicídio em 3 de agosto. Sáttia Lorena sofreu traumatismo craniano. O inquérito foi concluído e remetido à Justiça, mas não foi feito um pedido de prisão contra Rodolfo Lucas.
Isso porque ele já havia sido preso em flagrante, mas acabou sendo liberado pela própria Justiça. Testemunhas disseram que a médica estava consciente instantes após o acidente e que chegou a pedir para não morrer.
Conforme antecipado com exclusividade pelo CORREIO, constam na peça que embasa o indiciamento do médico bilhetes encontrados no apartamento em Armação. As mensagens, supostamente escritas pela médica, foram achadas por policiais em meio a objetos espalhados na sala do imóvel.
As informações foram passadas ao CORREIO por fontes da Secretaria de Segurança Pública (SSP) que tiveram acesso ao local. O conteúdo dos bilhetes aponta para desabafos sobre uma possível relação abusiva. Há também mensagens comentando o desempenho sexual de um homem que não é nomeado.
Além dos bilhetes, objetos e móveis desarrumados somam-se ao quebra-cabeças do inquérito instaurado na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) de Brotas. Remédios, alguns controlados, e uma mancha de sangue também foram encontrados em um dos quartos do apartamento.
Outro lado
O CORREIO entrou em contato com o advogado Gamil Föppel, que faz a defesa do médico Rodolfo Cordeiro Lucas. Em nota, Gamil criticou o relatório da Deam de Brotas. Leia o posicionamento na íntegra:
"Os menores erros, apesar de não pouco graves, são os erros de língua portuguesa. É com pesar que a defesa-técnica de Rodolfo Lucas encara o relatório formulado pela Autoridade Policial. O relatório leva a crer que esta autoridade desconhece a diferença entre acusado e investigado, o que apenas pode ser interpretado como má-fé (o que a defesa não acredita) ou como reflexo de uma falta de entendimento de conceitos jurídicos básicos (o que é perdoável). Ora o investigado, expressão técnica atribuída a quem responde a uma investigação penal, é chamado de acusado, ora é chamado de autor, posições processuais incompatíveis com a fase preliminar de investigação. Chama a atenção, ainda, a escolha conveniente (ou a talvez amnésia seletiva) de deixar-se de mencionar alguns aspectos muito relevantes, como a conclusão dos peritos daquela mesma Polícia Civil, que foram inequívocos ao constatarem presentes, na amostra de sangue de Sáttia Aleixo, substâncias controladas, tais como como o metamizol, a fenitoína, o diazepam e amidazolam. Chama a atenção, também, a escolha conveniente por não se mencionar, no Relatório Policial, a indicação, pela perícia daquela mesma Polícia Civil, de ESTAREM PRESENTES evidências de autolançamento do corpo de Sattia Aleixo.
Mas não é só isso. A autoridade também se esquece, ou desconhece, que as testemunhas não são do acusado, mas da justiça. Em seu relatório, além das omissões seletivas, há verdadeiras inclusões mentirosas. Assim, diversamente do que foi dito, nenhuma testemunha foi acompanhada ou mesmo orientada pela defesa técnica do investigado. É verdadeiramente lamentável que uma funcionária pública concursada, de quem se espera a boa técnica e a imparcialidade na condução de investigações criminais, promova verdadeiro recorte parcial em uma peça informativa cujo objetivo é narrar a cadeia de investigação, toda ela contrária às aparentes pretensões acusatórias da Autoridade Policial."
Reconstituição
Uma reprodução simulada aconteceu na quarta-feira (28) como parte da investigação da tentativa de feminicídio contra a médica. Equipes da Polícia Civil e do Departamento de Polícia Técnica (DPT) participaram da simulação, que ajudou a analisar posicionamentos da vítima, dos objetos na cena e de testemunhas nos imóveis próximos.
A delegada Bianca Torres Andrade acompanhou o trabalho dos técnicos. “Com esta simulação, poderemos chegar a um melhor entendimento do que ocorreu no dia 20 de julho e também atender a solicitação do Ministério Público da Bahia (MP-BA)”, explicou. “Já realizamos outras oitivas que também irão complementar esta nova fase das investigações”, diz.
Correio 24 horas
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