“Jacobina era o ignoto”
Afonso Costa
[caption id="attachment_21217" align="alignleft" width="200"] Prof. Fabio Carvalho (UAB/UNEB)[/caption]
Na proximidade do aniversário da nossa centenária Jacobina e em pleno marco de discussão sobre a mudança da sua data comemorativa, ofereço ao leitor essas breves linhas extraídas de um pioneiro estudo que realizo a quase uma década, coletando informações sobre a cidade em arquivos no Brasil e no exterior, visando repensar a história do município.
Ano passado fui convidado pelo então presidente da Câmara dos Vereadores de Jacobina e em conjunto com o Prof. Dr. Valter de Oliveira, expusemos algumas fontes que fundamentam uma possível mudança da data do aniversário da cidade para o século XVIII, e que serão expostas em um segundo texto que publicarei aqui no Jacobina Notícia. Boa leitura!
AS MINAS DE PRATA – JACOBINA NO SÉCULO XVI
Desde os primeiros tempos da colonização da América, encontrar metais e pedras preciosas, visando o enriquecimento rápido, assim como aprisionar indígenas, foram os principais objetivos dos diversos oficiais da coroa portuguesa e espanhola ao pisarem no “Novo Mundo”. A descoberta de prata nas Serras de Potosí, na Bolívia, pelos espanhóis em 1545, mostrou ao mundo colonial, pela primeira vez, metais preciosos em abundância, e rapidamente a prata se torna a principal moeda de troca comercial e o metal mais ambicionado pelos conquistadores ibéricos.
A descoberta de Potosí gerou uma grande corrida para a América portuguesa porque se acreditava que as terras das Américas, portuguesas e espanholas, eram contínuas, ou seja, as riquezas encontradas em Potosí certamente existiam no lado da América conquistada por Portugal. As primeiras Bandeiras portuguesas de busca de metais organizadas a partir de 1549, no Governo-Geral de Tomé de Souza, tiveram a prata como objetivo principal. A primeira Bandeira a descobrir e explorar Jacobina foi a de João Coelho de Souza em 1570, seguido por seu irmão Gabriel Soares de Souza, responsável pela primeira Corografia do Brasil. Esses irmãos, e mais um primo, Belchior Dias Moreira 1º, são responsáveis por um dos maiores mitos do mundo colonial: o mito das Minas de Prata.
Uma Bandeira era uma empresa militar composta por um número variado de pessoas, pelo menos um padre, e era responsável pela penetração do interior hostil e desconhecido. Levava à frente estendida uma bandeira com o brasão do conquistador, que geralmente era um grande possuidor de terras e riquezas, e financiava com recurso próprio suas Bandeiras. Como foi a do conquistador João Coelho de Souza, que sai de suas terras no Jaguaribe, as margens do Paraguaçu, para descobrir e explorar as Minas de Jacobina por volta de 1570, retornando após quatro anos de exploração. Com seu retorno, entrega seu roteiro e anotações a seu irmão Gabriel Soares de Souza, que organiza nova Bandeira rumo à Jacobina, explorando ouro e recriando marcos de referências, refaz o roteiro do irmão, e retorna cerca de seis anos de exploração anunciando riquezas jamais vistas.
De volta a Jaguaribe, Gabriel Soares de Souza encontra a América portuguesa sob o comando do Rei Espanhol Felipe II, que assumiu o trono português sob o nome de Felipe I, iniciando em 1580 o período que se passou a chamar de União Ibérica. De posse de suas anotações segue para Espanha onde termina o "Tratado descritivo do Brasil" em 1587, uma verdadeira enciclopédia do Brasil do período, oferecido em Madri a Felipe II para fundamentar seu pedido de “mercê” de Marquês das Minas do Brasil, anunciando a descoberta das Minas de Prata na Capitania da Bahia, em abundancia como jamais vistas no mundo até aquele momento.
Com o consentimento de Felipe II, parte de Madri com a nau Grifo Dourado e 360 oficiais reais, os quais iriam ocupar os cargos da administração do novo distrito mineiro que se iria erigir em Jacobina e que seria encabeçado por Gabriel como Marquês das Minas, único possuidor dos roteiros que conduzia as anunciadas riquezas. Na chegada à costa brasileira, a nau de Gabriel sofre um naufrágio forçando-o a desembarcar na costa norte do porto de Salvador, onde é socorrido por Garcia D’Ávila 1º e daí segue para Jaguaribe, fazendo uma pousada na casa de seu primo Belchior Dias Moreira 1º, em Tatuapará.
Por volta de 1591, ele e sua Bandeira adentram novamente pela parte sul das Serras de Jacobina em direção as Minas de Jacobina, de onde jamais retornam. Da derrocada de sua Bandeira na região, somente retornam vivos o mineiro da Bandeira Marcos Ferreira e o índio de confiança de Gabriel Soares. Há bastante controvérsia sobre o que ocorreu a sua Bandeira. O fato é que ambos sobreviventes foram em busca de Belchior Dias que, por volta de 1594, organiza outra Bandeira e de posse dos roteiros de Gabriel Soares de Souza ruma para Jacobina em busca das tão afamadas riquezas.
Após oito anos de exploração em Jacobina, desloca todas as riquezas reunidas por ele e os dois primos para um local distante das Minas, criando mais um roteiro e fixando novos marcos de localização, e já dado como morto, retorna a sua fazenda em Tatuapará. Segue para Espanha, por volta de 1605, para reclamar ao Rei os títulos e honras a que tinha direito como descobridor, informando a Felipe III ser possuidor dos roteiros que levariam a coroa a riquezas muito maiores que Biscaia, mina de ferro responsável pelos maiores dividendos aos cofres reais do período.
O fato é que Belchior Dias morre no começo do século XVII sem revelar o local das Minas de Jacobina. Há muita controversa sobre a negativa do Rei em conceder a Belchior os títulos que pedia, já que é uma contradição um Rei recusar riquezas. Alguns apontam o fato de Belchior ser mazombo, ou seja, nascido no Brasil, onde também era neto do Caramurú, o motivo da recusa. Outros a descrença do Rei para com as descobertas de metais na Bahia, que por mais de meio século foram tão anunciadas e nada de concreto se havia registrado nos cofres reais. Com a morte de Belchior Dias, ficou sepultado por quase um século o mapa do lugar que haveria de ser o primeiro distrito mineiro dos primeiros anos da colonização.
Uma referência nos indica que, antes de sua morte, os roteiros foram passados a Francisco Dias D’Ávila 1º, também seu primo, e com eles retorna a Jacobina, reavendo as riquezas deixadas por Belchior Dias Moreira e estabelecendo os primeiros currais de gado na região, iniciando a colonização do entorno norte das Serras de Jacobina no início do século XVII. As Minas de Prata foram intensamente buscadas por diversos bandeirantes até a segunda metade do século XVII, sem sucesso. Somente a partir do extermínio e/ou catequização dos Payayás por meio das “Guerras Justas”, e com as crescentes notícias de ouro, começam a ser concedidas sesmarias na região onde se encontra atualmente a cidade.
A primeira sesmaria que temos notícia em jacobina foi concedida em 28 de abril de 1654 ao então procurador da Casa da Torre, o Padre Antonio Pereira, e no ano seguinte temos outro registro de uma sesmaria a seu irmão, Bernardo Vieira Ravasco, então Secretário do Estado e de Guerra do Brasil. Além desses, outros nomes como os de Miguel de Figueiredo, João de Figueiredo e João Peixoto Viegas também figuram como proprietários de terras em Jacobina no período.
O Padre Antonio Pereira foi um sagaz aventureiro na busca das Minas de Prata de Belchior Dias Moreira, sendo mais de uma de suas Bandeiras arrasadas pelos Payayás, a ele também devemos o primeiro mapa feito em couro que situa Jacobina (Foto). As tão sonhadas Minas de Prata, que na verdade são de ouro, somente foram anunciadas oficialmente em 1701, colocando Jacobina como uma das mais importantes Vilas mineiras do Brasil ao longo de todo século XVIII, história que continuaremos em outro texto.
Prof. Fabio Carvalho (UAB/UNEB)
Doutorando em Estudos Latino-americanos
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