A Câmara Municipal do Rio de Janeiro rejeitou nesta quinta-feira (12) os dois pedidos de abertura de processo de impeachment contra o prefeito Marcelo Crivella (PRB). Ele obteve 29 votos dos 45 presentes na Câmara. Faltaram os vereadores Carlos Bolsonaro (PSC), Chiquinho Brazão (Avante), Marcello Siciliano (PHS) e Verônica Costa (MDB).
Apesar da vitória, o prefeito seguirá tendo de responder por supostamente privilegiar evangélicos em sua administração.
Ele foi alvo de ação civil pública movida pelo Ministério Público, sob acusação de ferir a laicidade do Estado na sua administração. A oposição também tenta recolher assinaturas para instaurar duas CPIs (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre suposta irregularidade nas filas para cirurgias em hospitais públicos e na concessão de isenção de IPTU a igrejas.
O TCM decidiu também questionar o prefeito sobre por que não tomou medidas para evitar o déficit de R$ 1,6 bilhão no ano passado.
A sessão na Câmara ocorreu com as galerias divididas entres apoiadores e opositores do prefeito. Houve discussões e brigas na Cinelândia, em frente ao Palácio Pedro Ernesto.
A oposição tentou atrair vereadores indecisos usando o argumento de que a eventual abertura do processo não resultaria no afastamento imediato de Crivella.
"O que queremos é investigar se os crimes aconteceram ou não. Crivella precisa ter a oportunidade de demonstrar à sociedade se houve irregularidade ou não", afirmou o vereador Tarcísio Motta (PSOL).
A base de Crivella, contudo, conseguiu derrubar as propostas, apresentadas pelo vereador Átila Nunes (MDB), o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) e a presidente do PSOL-RJ, Isabel Lessa.
"Chega a ser um deboche com a democracia tratar do impeachment do prefeito diante das atrocidades que vemos Brasil afora. É um abuso", afirmou o líder do governo, vereador Jairinho (MDB).
Bispo licenciado da Igreja Universal, Crivella é acusado de oferecer ajuda para encaminhar fiéis a cirurgias e para agilizar processos de isenção da cobrança de IPTU das igrejas em reunião no Palácio da Cidade, uma das sedes da prefeitura.
O prefeito nega favorecimento e diz que teve apenas o objetivo de prestar contas de sua gestão e apresentar aos presentes programas sociais da prefeitura.
A reunião no Palácio da Cidade foi um dos nove casos relatados pelo Ministério Público na ação civil pública em que acusa Crivella de improbidade administrativa por ferir a laicidade do Estado.
Além deste episódio, a Promotoria lista 1) eventos da Igreja Universal em escolas públicas, com ampla divulgação da marca da denominação; 2) dois censos religiosos, entre agentes da Guarda Municipal e 3) de usuários das academias "Rio ao ar livre"; 4) cessão gratuita da Cidade das Artes ao Festival de Cinema Cristão, a pedido da primeira-dama Sylvia Jane; 5) corte no apoio de eventos religiosos de matrizes africanas; 6) cessão gratuita do Sambódromo para a "Vígilia do resgate", promovido pela Igreja Universal; 7) concessão de títulos de utilidade pública a igrejas evangélicas; 8) decreto que submetia ao prefeito a possibilidade de restringir eventos.
"A controvérsia, por óbvio, não se cinge na religião professada pelo prefeito, mas, sim, na interferência do poder público na vida privada das pessoas e na utilização da máquina pública para benefício de determinado segmento religioso, e em eventual discriminação contra os outros, o que não pode e nem deve ser admitido", diz a ação distribuída para a 7ª Vara de Fazenda Pública.
A ameaça ao mandato é mais um capítulo de uma gestão que tem enfrentado dificuldades para superar a crise financeira do município, as brigas internas e o apetite por cargos de novos aliados, agregados ao governo com o objetivo de tentar sustentação mínima junto aos vereadores.
"O prefeito tem uma doença autoimune. Ele mesmo se destrói", disse o vereador Paulo Pinheiro (PSOL).
"Se ele é mau ou bom gestor, isso será julgado em 2020", disse o vereador Otoni de Paula (PSC).
O resultado foi obtido após intensa negociação entre o prefeito e vereadores em busca de cargos na prefeitura. O vereador Professor Adalmir (PSDB), embora tenha assinado pela suspensão do recesso na Câmara, não votou pela abertura do processo.
A coligação de Crivella elegeu apenas 4 dos 51 vereadores. Para conseguir apoio na Casa, teve de abrir espaço para membros do MDB, partido que atacou ao longo da campanha de 2016. Entregou a liderança do governo ao vereador Jairinho (MDB), que ocupou o mesmo posto na gestão Eduardo Paes (atualmente no DEM).
Contudo, há queixas de que o prefeito não cumpriu alguns dos acordos firmados. Vereadores veem o alcaide como um governante claudicante em suas decisões, o que provoca o vai-vem de nomeações e exonerações no município.
A suspensão do recesso da Câmara para analisar o impeachment só foi possível após um grupo de vereadores que vinha apoiando o prefeito desembarcar da gestão.
"Tentamos ajudar, mas tudo o que fizemos foi jogado fora. É uma gestão desordenada. Decidimos não fazer mais parte desses desgoverno", disse a vereadora Rosa Fernandes (MDB).
Fernandes afirmou ter sofrido ameaças após anunciar a saída da base de apoio do governo.
Até mesmo a base evangélica de vem criticando o governo. O pastor Silas Malafaia, por exemplo, afirma que "a gestão Crivella tem muito o que melhorar". Ele é contra o impeachment.
"Ele errou [ao reunir pastores no palácio]. Mas não para isso tudo. Faltou um pouquinho de inteligência política", disse Malafaia, para quem líderes de outros credos deveriam ter sido convidados.
A falta de identidade também se refletiu no secretariado. Após dois meses de briga pública com o chefe da Casa Civil, Paulo Messina (PRB), César Benjamin foi exonerado nesta quarta (11) da secretaria de Educação. Ao comentar a saída, classificou a gestão Crivella como "fragilizada e confusa".
O prefeito também enfrenta dificuldades administrativas. O TCM o proibiu de fazer novas obras antes de concluir os mais de cem canteiros parados deixados pelo antecessor.
Crivella chegou a tentar recorrer à iniciativa privada para ter ao menos uma obra como vitrine para mostrar. Mas a PPP de obras em Rio das Pedras teve de ser canceladas após reação das lideranças políticas da região, dominada por milícias.
Apesar dos fracassos, o prefeito teve importantes vitórias na Câmara. Após forte negociação de cargos, aprovou a revisão da planta de cálculo do IPTU e a taxação de servidores aposentados.
A análise do impeachment foi mais um teste na capacidade de articulação de Crivella. E mais uma oportunidade para vereadores pleitearem espaço na prefeitura.
Com informações da Folhapress
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