O roteiro de uma perseguição policial, ontem pela manhã, na Avenida San Martin, foi digno de um roteiro de filme de ação: teve sequestro, fuga do refém (que pulou de um carro em movimento), troca de tiros e colisão em alta velocidade - tudo isso num espaço de menos de meia hora.
A trama começou bem cedo, às 5h5, quando o rodoviário João*, 37 anos, saía de casa, no Conjunto Almirante Tamandaré, em Paripe, para trabalhar, a 16 km de distância da cena final. Quando deixava o condomínio, em seu Voyage branco, foi abordado por três homens, um deles armado com um revólver. O trio anunciou o assalto e João, prontamente, entregou as chaves do carro, sem reagir. Foi quando os vilões ordenaram que ele entrasse no porta-malas.
Segundo policiais da 19ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/Paripe), pessoas que estavam no ponto de ônibus próximo ao local do sequestro viram a situação e ligaram para a polícia. No entanto, a guarnição encontrou uma dificuldade para tentar socorrer o rodoviário e recuperar o veículo: a única descrição é que se tratava de um carro branco.
No percurso da polícia, havia outros dois carros brancos. Só o terceiro do percurso era o ocupado pelos bandidos.Um soldado da Rondesp BTS, que ‘entrou’ na operação já perto do desfecho, contou que, na San Martin, uma viatura do grupamento fazia diligência e viu o carro da 19ª CIPM, ocupado por três policiais, atrás do Voyage, mas não desconfiou de nada. O soldado e outros três colegas só perceberam que era uma perseguição após os assaltantes começarem a disparar em direção a eles. “A gente só se deu conta quando começaram os tiros. Aí voltamos e fomos atrás”, explicou.
Pulo
Dentro do carro, o rodoviário entendeu a sirene como um aviso e acionou o botão antissequestro, que permite a abertura da mala por dentro, e se jogou assim que o carro reduziu a velocidade, por causa de uma área alagada, próximo ao Sesi, no Retiro. Ao ver a vítima saindo do veículo, os policiais conseguiram desviar.
Cerca de 1,5 km depois, o condutor do Voyage perdeu o controle do veículo, que bateu num contêiner de lixo, girou na pista e capotou. A viatura da 19ª CIPM, que estava atrás, ao tentar desviar, colidiu contra uma loja de peças de moto. Apenas a porta ficou danificada. No caminho, ainda atropelou uma cadela, que chegou a ser socorrida por moradores, mas morreu no local.
Feridos
Os assaltantes, que ficaram feridos após o acidente, foram rendidos pelos policiais da Rondesp e levados para a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) da San Martin, onde foram medicados e liberados, sob custódia. Dois dos três policiais da 19ª CIPM foram levados para a UPA do Curuzu, onde foram medicados e liberados. O terceiro foi encaminhado para o Hospital da Cidade, na Caixa D’Água, onde realizou exames médicos, mas também está fora de perigo e teria alta ainda ontem, segundo a assessoria da PM.
“A gente só ouviu um estrondo e saímos correndo, achando que era outro imóvel que estava desabando. Tentamos socorrer a cadelinha, mas não teve jeito”, contou Raul Souto, bombeiro voluntário que está no Barro Branco ainda ajudando as vítimas do deslizamento de terra que aconteceu em 27 de abril, deixando 11 mortos e centenas de desabrigados. O acidente ocorreu quase em frente à entrada da comunidade.
A viatura da 19ª CIPM foi alvejada dez vezes, mas nenhum dos tiros atingiu os PMs. A polícia disse que não revidou, mas o Voyage ficou com pelo menos duas marcas de bala, inclusive na mala, onde estava escondido o rodoviário (não se sabe se o tiro foi dado enquanto ele ainda estava no local).
Planos
Dos três assaltantes, dois já tinham passagem por outros crimes, segundo a delegada Itana Coelho, da Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos de Veículos (DRFRV), para onde eles foram levados pelos policiais da Rondesp BTS para prestar depoimento. “Eles queriam o veículo para praticar roubos em pontos de ônibus, onde as vítimas estão mais vulneráveis, e depois abandonar o carro e o proprietário”, explicou Itana. O outro rapaz que participou do crime tem 16 anos e foi levado para a Delegacia do Adolescente Infrator (DAI). Não há informações se ele já participou de outros crimes.
Segundo a delegada, os adultos são Ítalo dos Santos de Santana, 24 anos, e Adilton Moreira dos Santos, 21. Ítalo ficou preso por dois anos por tráfico de drogas no Presídio Salvador. Deixou a cadeia há pouco tempo. Já Adilton chegou a ficar recluso na 5ª Delegacia (Periperi) por assalto ao mercadinho Todo Dia, em Paripe, há cerca de um mês, mas foi solto logo em seguida. Os dois foram levados para o Núcleo de Prisão em Flagrante, no Complexo da Mata Escura.
A perseguição policial resultou em diversos prejuízos. O Voyage branco ficou completamente destruído. O dono do veículo informou que vai acionar o seguro. Já a loja de peças de moto teve a porta danificada e não abriu ontem.
Vítima: ‘Nem pensei muito. Abri a mala e me joguei'
Depois do susto, o rodoviário João*, 37 anos, encontrou com a esposa do lado de fora da delegacia e agradeceu a Deus e aos policiais militares por ter sobrevivido ao sequestro. Durante os cerca de 30 minutos em que ficou na mala do carro, o motorista rezou muito. “Pedi que Deus me livrasse daquela situação”, revelou.
João acabou se machucando quando se jogou da mala do carro e arranhou a perna - a calça ficou rasgada. Após sair da delegacia, ele foi para o Instituto Médico-Legal (IML) para fazer o exame de corpo de delito. O rodoviário conta que não entendeu o que os assaltantes queriam fazer com ele, já que entregou o carro sem reagir.
“Se eles queriam o carro, para que me levar?”, se questionou durante o trajeto. Dentro da mala, ele tentou diversas vezes entrar em contato com a mulher, mas não tinha sinal. Um dos momentos em que teve mais medo foi quando ouviu os disparos de arma de fogo e, logo em seguida, o giroflex da polícia.
“Foi tudo muito rápido. Entendi aquela sirene como um sinal da polícia para que eu saísse. Então, eu nem pensei muito: abri a mala e me joguei de lá”, lembrou o rodoviário, que deixou o carro próximo ao Retiro. João diz que a frequência de roubos a carros no condomínio onde mora, em Paripe, tem aumentado. “Semana passada, roubaram o carro do meu vizinho. A gente vê acontecer, mas nunca imagina que vai acontecer com a gente, né?”.
*nome fictício para preservar a vítima
Perseguição termina com dois baleados nos Barris
Uma perseguição policial que começou na Avenida Bonocô e terminou no Vale dos Barris deixou mais duas pessoas baleadas, também na manhã de ontem. Entre os feridos está o motorista de uma empresa de geradores Diego Lopes dos Santos, 30 anos, ferido nas nádegas ao passar pela rotatória do Vale dos Barris.
[caption id="attachment_17394" align="aligncenter" width="620"] O motorista Diego Santos ferido por bala perdida durante perseguição nos Barris[/caption]
Ele estava em um carro quando foi atingido durante o confronto entre policiais da Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos de Veículos (DRFRV) e três homens que estavam em um carro roubado – o segundo baleado foi um dos ladrões, que acabou preso, assim como os dois comparsas. De acordo com a polícia, uma guarnição da DRFRV passava pela Bonocô quando notou que a placa de um carro estava com indícios de adulteração.
Ao consultar os dados, os policiais perceberam que o carro era roubado e iniciaram a perseguição, por volta das 10h40. Em determinado momento, na rotatória do Vale dos Barris, entrada da Estação da Lapa, houve uma troca de tiros e Diego, que dirigia uma Ford Ranger, foi alvejado (a bala atravessou a porta).
“Ele disse que na hora não conseguiu puxar o freio de mão e o carro bateu de ré em um Fox que vinha atrás, conduzido por um médico que, junto com a mulher, deu os primeiros socorros e chamou o Samu”, contou uma funcionária do Hospital Geral do Estado (HGE), para onde Diego foi socorrido. “Ele entrou bem e não corre risco de morrer”, completou ela.
Durante o confronto, um dos assaltantes foi baleado na perna e acabou preso – não há informações para onde ele foi levado pelos policiais. Ainda na rotatória, os outros dois ladrões tomaram de assalto um segundo carro, de uma mulher, mas abandonaram o veículo ainda nas proximidades do 5º Centro de Saúde Professor Clementino Fraga, também no Vale dos Barris.
A dupla fugiu a pé, para lados opostos. Um foi em direção ao Dique do Tororó, mas foi pego por uma guarnição da Rondesp. O outro subiu a Rua Pacífico Pereira, que liga a Avenida Centenário ao Garcia, mas foi pego por policiais do Garra. “Ele foi pego por PMs que estavam em duas motos. Foi revistado e colocado numa viatura”, contou o dono de uma lanchonete. Responsável pelo caso, o delegado Dermeval Amoedo Júnior, titular da DRFRV, não foi encontrado para comentar o assunto.
Por: Bruno Wendel
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